Dia 11/10/2009, eu estava na casa da minha tia, bebendo, dando risada, falando da minha família e em paz. Lá pelo meio da tarde, resolvi ligar para o meu pai, só para saber se ele estava bem. Estava. Lembro perfeitamente de ter perguntado, no final da conversa, se estava tudo bem com ele. E ele disse que estava. Respondeu feliz. Estava mesmo. Respondi "Que bom, Pai. Então graças a Deus." (agradeci internamente a Deus mais uma vez e deliguei o telefone). Era sempre assim que acontecia. Desliguei aliviada mais uma vez, por ter feito tudo ao meu alcance para ele e minha mãe ficassem bem. Foi a última vez que nos falamos. No dia seguinte, eu lstava sonhando com ele, quando o telefone tocou 5:30 da manhã. Atendi e descobri que meu pai tinha morrido. Chorei um pouquinho. Mas foi só de medo. Medo, nem sei de quê. Pronto. A partir daí foi no automático.
No início, fiquei rodando feito uma barata tonta na casa do meu namorado (que meu pai não viu se tornar meu marido), tentando me vestir, correndo. Lembro que ele me segurou um pouco. Acho que foi providencial, por que, então, meu corpo tomou o compasso certo e eu comecei a fazer as coisas ordenadamente. Providenciamos a viajem, quem iria, quem ficaria com minha mãe e em quanto tempo chegaria ao ferry. Tudo isso em menos de dez minutos. Deu tempo de passar mensagem para alguns amigos providenciais. Não houve uma necessidade emocional na hora. Só uma logística que eu segui impuslivamente. Chegamos no Ferry. Minha irmã chorava sem parar. Como é que ela conseguia isso? Minha tia perguntou seu eu não queria comer. Comer o que? Depois me perguntou como é que eu estava. Eu respondi, perguntando como é que se fica quando um pai morre. Minha pergunta não era agressiva. Era verdadeira. Eu, simplesmente não sabia como me portar. A vida inteira eu imaginei que no dia que isso acontecesse, eu ficaria apática chorando sem parar (igual a minha irmã). Tudo diferente. Eu estava lá, naquele ferry, resolvendo as coisas por telefone e indo enterrar meu pai. Era só isso que eu pensava. Agora estou indo enterrar meu pai. E assim foi até chegar lá. Não era para eu estar chorando muito?
No ano passado, neste exato momento, eu estava chegando na casa do meu pai. Lembro da sensação esquisita de sentir todo mundo nos esperando chegar. Desci do carro e vi todos emudecerem, olhando para mim e para minha irmã. Só foi essa a sensação. Sinceramente, eu não estava sentindo muita coisa. Subimos as escadas, entramos no quarto e vimos o que tinha que ser visto. Meu pai deitado na cama, gelado e morto. Chorei um pouquinho, só para cumprir a tabela do meu incosciente. Saí do quarto, sentei no sofá com minha dinda eu com o melhor amigo dele, respirei e comecei a tomar todas as decisões.
A partir daí foi um festival de decisões. Leva para o IML ou não leva? Enterra que horas? Qual vai ser o caixão? Tomei to-das as decisões. Escolhi o caixão do meu pai e, de certa forma, me orgulho disso. É meio bizarro, mas é o que eu sinto.
O velório e o enterro forma lindos. Primeiro que a casa da minha avó é a mais linda da cidade. Meu pai estava sorrindo dentro do caixão. Impressionante. Ele tinha um sorriso nos lábios. Parecia que estava sonhando. Todo mundo notou. Foi tudo calmo. As pessoas não se desesperaram. Eu lembro de duas amigas minhas chegando e de que a partir dali , eu consegui fazer piadas e comentar o evento. Uma outra amiga, que não estava no velório e que não sabia de nada, me ligou convidando para uma cerveinha. Eu fiz uma piada da situação com ela. Meses depois eu soube que ela ficou péssima naquele dia. Mas eu conseguia rir. No final, as beatas da igreja entoaram um cântico simples e bonito. Até eu falei, emocionada. Achei bonito. Juro. A casa estava cheia de gente. Teve uma coisa bem bonita, digna de ser relatada. Alguém me perguntou se não era melhor levar o corpo num carrinho até cemitério. O melhor amigo dele foi quem tomou a decisão. Disse que o costume da cidade era que se carregasse o caixão. Fiquei observando. Ele foi primeiro a segurar a alça. Até o cemittério, todos os amigos homens revezaram o caminho, carregando caixão. Lindo. Ritual bonito. Vi um velhinho fazendo questão de segurar a alça. Quando fomos acompanhar o cortejo, uma prima distribui uma rosa para mim e outra para minha irmã. Eu subi chorando. Foi a segunda vez que eu chorei de verdade. Quando terminou o enterro, lembro de me tocar que era o finalzinho da tarde e que tinha terminado. Tinha acabado o ritual. Eu tinha enterrado o meu pai. Fui dormir numa pousada. Meu corpo doía da cabeça aos pés de cansaço. Nunca tinha sentido um cansaço daquele. Foi assim que meu pai morreu. Num dia bonito, num ritual simples, sem nada muito lúdico. Hoje faz um ano que isso aconteceu.
Sempre que me separo se alguém importante, projeto minha mente para cumprir etapas. 24 horas sem a pessoa é o primeiro ciclo. Depois, a primeira semana. Depois, o primeiro mês. Depois a primeira estação do ano, e por fim ,o primeiro ano. Se consigo passar por isso, sem ceder, é por que venci a dor.
Com meu pai, passei por todas as provas tirando nota máxima. Tomei todas as decisões corretas e sensatas. Lembro que no dia seguinte, entrei na casa dele com seu melhor amigo. Entramos, sentamos na mesa da cozinha e fizemos todas as contas que deveriam ser feitas Distrinchei documento, por documento e fiz um plano de quitação. Ali, sentada na cozinha da casa do meu pai, com flores de velório ainda espalhadas pelo chão. Teve um momento que eu e o amigo dele paramos repentinamente, nos olhamos e nos perguntamos como estávamos conseguindo fazer aquilo. Nos olhamos de novo, respiramos e continuamos.
Fiz tudo certo durante esse ano. Venci iociclo do meu pai. E agora?
Agora é só um vazio na minha frente. Um vazio cotidiano. Um vazio que não me dá, nem me tira forças. Não perco a fome nem o sono, nem os horários. Sequer perco a cosciência deque daqui a pouco tenho uma lista de obrigações contidianas para cumprir. Não tem nada de lúdico. É só minha vida continuando sem ele. Sem a pessoa com quem tive a relação mais saudável durante meus trinta anos.
Não tem nada de bonito nisso. Lúdico era quando ele estava aqui comigo e me bastava ser filha.
No início, fiquei rodando feito uma barata tonta na casa do meu namorado (que meu pai não viu se tornar meu marido), tentando me vestir, correndo. Lembro que ele me segurou um pouco. Acho que foi providencial, por que, então, meu corpo tomou o compasso certo e eu comecei a fazer as coisas ordenadamente. Providenciamos a viajem, quem iria, quem ficaria com minha mãe e em quanto tempo chegaria ao ferry. Tudo isso em menos de dez minutos. Deu tempo de passar mensagem para alguns amigos providenciais. Não houve uma necessidade emocional na hora. Só uma logística que eu segui impuslivamente. Chegamos no Ferry. Minha irmã chorava sem parar. Como é que ela conseguia isso? Minha tia perguntou seu eu não queria comer. Comer o que? Depois me perguntou como é que eu estava. Eu respondi, perguntando como é que se fica quando um pai morre. Minha pergunta não era agressiva. Era verdadeira. Eu, simplesmente não sabia como me portar. A vida inteira eu imaginei que no dia que isso acontecesse, eu ficaria apática chorando sem parar (igual a minha irmã). Tudo diferente. Eu estava lá, naquele ferry, resolvendo as coisas por telefone e indo enterrar meu pai. Era só isso que eu pensava. Agora estou indo enterrar meu pai. E assim foi até chegar lá. Não era para eu estar chorando muito?
No ano passado, neste exato momento, eu estava chegando na casa do meu pai. Lembro da sensação esquisita de sentir todo mundo nos esperando chegar. Desci do carro e vi todos emudecerem, olhando para mim e para minha irmã. Só foi essa a sensação. Sinceramente, eu não estava sentindo muita coisa. Subimos as escadas, entramos no quarto e vimos o que tinha que ser visto. Meu pai deitado na cama, gelado e morto. Chorei um pouquinho, só para cumprir a tabela do meu incosciente. Saí do quarto, sentei no sofá com minha dinda eu com o melhor amigo dele, respirei e comecei a tomar todas as decisões.
A partir daí foi um festival de decisões. Leva para o IML ou não leva? Enterra que horas? Qual vai ser o caixão? Tomei to-das as decisões. Escolhi o caixão do meu pai e, de certa forma, me orgulho disso. É meio bizarro, mas é o que eu sinto.
O velório e o enterro forma lindos. Primeiro que a casa da minha avó é a mais linda da cidade. Meu pai estava sorrindo dentro do caixão. Impressionante. Ele tinha um sorriso nos lábios. Parecia que estava sonhando. Todo mundo notou. Foi tudo calmo. As pessoas não se desesperaram. Eu lembro de duas amigas minhas chegando e de que a partir dali , eu consegui fazer piadas e comentar o evento. Uma outra amiga, que não estava no velório e que não sabia de nada, me ligou convidando para uma cerveinha. Eu fiz uma piada da situação com ela. Meses depois eu soube que ela ficou péssima naquele dia. Mas eu conseguia rir. No final, as beatas da igreja entoaram um cântico simples e bonito. Até eu falei, emocionada. Achei bonito. Juro. A casa estava cheia de gente. Teve uma coisa bem bonita, digna de ser relatada. Alguém me perguntou se não era melhor levar o corpo num carrinho até cemitério. O melhor amigo dele foi quem tomou a decisão. Disse que o costume da cidade era que se carregasse o caixão. Fiquei observando. Ele foi primeiro a segurar a alça. Até o cemittério, todos os amigos homens revezaram o caminho, carregando caixão. Lindo. Ritual bonito. Vi um velhinho fazendo questão de segurar a alça. Quando fomos acompanhar o cortejo, uma prima distribui uma rosa para mim e outra para minha irmã. Eu subi chorando. Foi a segunda vez que eu chorei de verdade. Quando terminou o enterro, lembro de me tocar que era o finalzinho da tarde e que tinha terminado. Tinha acabado o ritual. Eu tinha enterrado o meu pai. Fui dormir numa pousada. Meu corpo doía da cabeça aos pés de cansaço. Nunca tinha sentido um cansaço daquele. Foi assim que meu pai morreu. Num dia bonito, num ritual simples, sem nada muito lúdico. Hoje faz um ano que isso aconteceu.
Sempre que me separo se alguém importante, projeto minha mente para cumprir etapas. 24 horas sem a pessoa é o primeiro ciclo. Depois, a primeira semana. Depois, o primeiro mês. Depois a primeira estação do ano, e por fim ,o primeiro ano. Se consigo passar por isso, sem ceder, é por que venci a dor.
Com meu pai, passei por todas as provas tirando nota máxima. Tomei todas as decisões corretas e sensatas. Lembro que no dia seguinte, entrei na casa dele com seu melhor amigo. Entramos, sentamos na mesa da cozinha e fizemos todas as contas que deveriam ser feitas Distrinchei documento, por documento e fiz um plano de quitação. Ali, sentada na cozinha da casa do meu pai, com flores de velório ainda espalhadas pelo chão. Teve um momento que eu e o amigo dele paramos repentinamente, nos olhamos e nos perguntamos como estávamos conseguindo fazer aquilo. Nos olhamos de novo, respiramos e continuamos.
Fiz tudo certo durante esse ano. Venci iociclo do meu pai. E agora?
Agora é só um vazio na minha frente. Um vazio cotidiano. Um vazio que não me dá, nem me tira forças. Não perco a fome nem o sono, nem os horários. Sequer perco a cosciência deque daqui a pouco tenho uma lista de obrigações contidianas para cumprir. Não tem nada de lúdico. É só minha vida continuando sem ele. Sem a pessoa com quem tive a relação mais saudável durante meus trinta anos.
Não tem nada de bonito nisso. Lúdico era quando ele estava aqui comigo e me bastava ser filha.